Exclusivo: entrevista com John Cameron Mitchell, autor e diretor de ‘Hedwig’

Escrito por Baby Bloom. Postado em Em FocoZieg Zoom

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Publicado em Novembro 23, 2012

Mr. Zieg esteve nesta quinta-feira (22) no ensaio do show de John Cameron Mitchell que acontecerá neste Sábado (24) na Garagem Gamboa e teve o privilégio de ver este talentoso artista dando os últimos retoques na apresentação. Sob os olhares cuidadosos do diretor Evandro Mesquita e do ouvido exigente do preparador vocal Danilo Timm, Mitchell se mostrou muito atencioso e generoso, constantemente elogiando as vozes de Pierre BaitelliFelipe Carvalhido e Eline Porto.

Muito bem humorado, Mitchell tentava o tempo todo se expressar em português, e ao final do ensaio ainda teve um tempo para conceder uma entrevista exclusiva ao Mr. Zieg falando principalmente do musical que ele criou, Hedwig e o Centímetro Enfurecido, que será apresentado nos dias 23 e 25 também na Garagem Gamboa.

Mr. Zieg: Como você classifica Hedwig? Musical, concerto ou um pouco dos dois?

John Cameron Mitchell: É um musical em forma de concerto. É definitivamente um musical, pois a história é contada pelas canções, mas em um formato de show de rock. Só depois o personagem sai do show para um outro local.

MZ: Você já assistiu a versão brasileira?

JCM: Venho assistir no domingo. Quero dar-lhes um descanso amanhã. Eles são ótimos. As vozes são fantásticas. São duas Hedwigs. Isso nunca aconteceu antes. Houve uma produção em São Francisco ano passado com doze Hedwigs, uma para cada canção. Cada uma com um perfil diferente, homens, mulheres, de idades e tamanhos diferentes. Foi interessante, mas eu gosto mais da ideia de duas do que doze. Eu hoje em dia não assisto mais as montagens, pois sinceramente chega uma hora que não dá mais, porém estou muito animado para assistir aqui. Gosto do conceito, faz sentido. Sinto uma inveja de nunca ter pensado nesse formato, porque é muito chato fazer essa peça sozinho depois de um ano em cartaz. É solitário. Então estou trabalhando numa continuação de Hedwig que terá outros atores.

MZ: Como está o desenvolvimento da continuação de Hedwig? Podemos esperar para vê-lo em breve no palco?

JCM: Está ainda no começo. Fizemos uma leitura em setembro no Afterglow Festival (o Mr. Ziegantecipou aqui). Foi estranho viver a Hedwig de novo, mas foi natural. Vai demorar um pouco, pois oStephen Trask está ocupado e não poderá escrever as canções até o ano que vem, então acho que ainda demorará alguns anos.

MZ: É verdade que durante as filmagens de Hedwig a maioria das canções foram gravadas ao vivo? Como você se sente quando os produtores do filme Les Miserables dizem que estão fazendo algo inédito?

JCM: Sim é verdade e eu fiquei com muita raiva. Mas, é Hollywood. Nós não éramos Hollywood. Éramos punk-rock. Hedwig nunca foi um projeto grande mas muita gente assistiu e é ótimo saber que um grande percentual das que viram, gostaram. E muitos dos que viram e elogiaram eram pessoas que eu admirava. É muito difícil ser muito popular com pessoas que você não gosta. Então é ótimo encontrar pessoas que gostam de Hedwig, porque eu retribuo o carinho. Este culto ao Hedwig que as pessoas fazem é puro.

MZ: Você é filho de militar, estudou em escolas católicas, saiu do armário nos anos 80 e se tornou um ativista. O quanto de John Cameron Mitchel podemos ver na Hedwig? Quão pessoal este personagem é para a sua própria  história?

JCM: É muito emocionalmente autobiográfico, não em relação aos fatos da história da Hedwig, mas em suas emoções. Sempre me senti um outsider por toda minha vida, por ter uma família militar, por buscar essa outra metade. Acho que a Hedwig deveria reinterpretar Origin of Love no final mostrando que você pode encontrar sua outra metade dentro de você mesmo e encontrar sua plenitude ao invés de buscá-la em outra pessoa. E a continuação terá uma interpretação diferente da primeira. Será mais sobre morte e Deus. Sem dar spoilers, somente morte e Deus. De certa forma tudo é sempre sobre morte e Deus. Não há Deus sem morte.

MZ: Você é parte do grupo ativista Radical Faerie que o inspirou em Shortbus, onde você trabalhou comPJ DeBoy e Paul Dawson e juntos criaram a festa chamada Mattachine, de Sociedade Mattachine, uma das primeiras organizações ativistas do movimento LGBT. A festa está vindo para o Rio de Janeiro e acontecerá na Garagem Gamboa logo após o show de sábado. Seu trabalho parece sempre estar relacionado à opressão. Sendo uma criança que sofreu opressões, você se tornou um adulto que luta contra a opressão através da arte?

JCM: Bem, na verdade eu nunca sofri nenhum tipo de abuso ou bullying. Então eu nunca me senti mais oprimido do que alienado. Como eu me mudei muito por conta do trabalho do meu pai, a cada dois anos nos mudávamos para outra cidade ou outro país. Minha mãe é britânica, nós moramos na Alemanha e em outros locais da Europa. Dessa forma eu nunca me senti pertencente a lugar nenhum. Mas eu vi pessoas sendo cruéis com as outras e sentia um pouco com disso. Eu sentia que deveria defender as pessoas. Defendê-las, e não vingá-las. Então vendo a situação de fora eu sempre me simpatizei com essas pessoas e esse sou eu. Quando você é jovem, você precisa explodir. Você precisa dizer “Eu sou essa pessoa”. Você precisa transar. Você precisa de um rótulo. Os jovens se rotulam e dizem: “Eu sou bissexual” ou “Eu trepei com um terrorista”, o que quer que seja. E depois de um tempo você dispensa esses rótulos. Você então aprende a conectar com as pessoas, e aí você reduz a opressão, reduz a alienação, pela arte. Essa é a melhor maneira que eu encontrei. E funciona. Depois que encontrei a arte, me senti menos sozinho, fiz meus amigos se sentirem melhores, e essa é minha arma. Não é criar um ambiente para fazer gays os héteros. Apesar das festas que organizamos serem gays, adoramos quando todos os tipos de pessoas comparecem e se divertem. Ser gay não é só sexualidade, é também um estado mental. Por exemplo, Rocky Horror reuniu muita gente, gays, héteros, o que fossem, com um propósito de humor. Senso de humor é um agente mais aglutinador que sexualidade ou política, para mim.

MZ: Em que ponto da sua vida você virou esse jogo?

JCM: Foram diferentes pontos: Quando eu saí do armário eu me senti muito mais confiante. Você não precisa esconder nada. Você sente seu corpo relaxado. E depois fazendo Hedwig com certeza. Houve ainda um outro momento, quando eu fiz o papel de Larry Kramer [ativista gay norte-americano] na peçaDestiny of Me, que é uma continuação de The Normal Heart, uma peça teatral importante sobre os direitos dos homossexuais. Falando nisso, há um excelente documentário sobre ativismo chamado How To Survive a Plague, que eu espero que seja indicado ao Oscar esse ano. É sobre os cientistas gays que desenvolveram os primeiros medicamentos contra o HIV e salvaram cerca de 6 milhões de vidas. A história desses heróis gays de New York nunca foi contada. Como ator, nada mais foi assustador do queHedwig. Qualquer ator que tenha feito esse papel me diz que foi seu trabalho mais difícil e que com certeza depois desse, nenhum outro papel o assustará.

MZ: Em seus projetos, você geralmente trabalha com atores novos ou desconhecidos, mas emReencontrando a Felicidade (Rabbit Hole) você dirigiu Nicole Kidman e em outros projetos de publicidade você já trabalhou com Marion Cotillard e Jude Law. Qual a diferença no processo de trabalhar com grandes estrelas e desconhecidos?

JCM: Estrelas não tem tempo para ensaiar e tem seu próprio processo, mas não é tão diferente. Uma vez que o trabalho começa o processo é o mesmo. Cada ator tem o seu processo. Você aprende conforme o trabalho se desenvolve. Você pode perguntar a outros diretores o que eles sabem sobre aquele ator ou atriz, você pega um feedback e se prepara. Uns atores são melhores de sopetão, outros preferem desenvolver o personagem no processo, por repetição. Direção de atores é algo muito fácil para mim porque eu fui ator. E eu me divirto muito.

MZ: Você acha que a Hedwig de hoje é diferente da Hedwig original de 14 anos atrás?

JCM: Ela é diferente em cada produção, que é o que eu amo sobre ela. Eu não tento controlá-la e eu estou muito animado quando as pessoas tentam coisas novas. Então Hedwig muda o tempo todo e eu não sou a Hedwig. Quando eu fizer a continuação eu vou ser uma outra Hedwig que está enfrentando sua possível morte. É uma pessoa diferente. A primeira metade de sua vida é sobre descobrir quem você é. Na segunda metade da sua vida você está se preparando para perder tudo. Hedwig é diferente para pessoas diferentes em momentos diferentes. Eu vi uma criança fazendo Hedwig e foi ótimo!

MZ: RentHedwigIn The Heights e Next to Normal são exemplos de musicais originais que apetecem a um público mais jovem tal qual um show de uma banda de rock/pop. Você vê esse tipo de musical como o futuro dos musicais originais da Broadway?

JCM: Você sabe, eu estava no elenco original de Rent, como Angel, mas depois exigiram que o personagem fosse de Porto Rico… Pareço Porto-riquenho? Então saí.  Sim, porque desde Hedwig apareceram diversos musicais de rock, na Broadway, como American IdiotPassing Strange … Você tem que ver Passing Strange. Spike Lee fez um filme, uma filmagem da peça, é meu musical de rock favorito desde Hedwig.

MZ: Além da continuação de Hedwig existem outros projetos novos para o futuro?

JCM: Eu estou trabalhando em um filme que é uma adaptação de uma história de Neil Gaiman. É uma espécie de aliens versus punks na década de setenta, em Londres. Eu também estou produzindo um filme de animação com o Dash Shaw, que fez a arte dos quadrinhos para Rabbit Hole. Nós fizemos um vídeo clipe juntos chamado Seraph para a banda Sigur Rós, que é uma banda islandesa, muito popular. O filme foi lançado online e ele entrou no Festival de Cinema de Sundance como um curta. Eu estou fazendo um monte de comerciais, eu acabei de fazer um com Kate Moss, que é ótimo para pagar as contas.

 MZ: Qual musical te define? Não vale responder Hedwig!

JCM: Oliver. Eu me identifico com o menino posto à venda, o órfão. Eu me sinto como um órfão.

Veja as fotos do ensaio geral desta quinta (22), para ver em tamanho maior é só clicar em cima.

Se o ensaio geral já foi emocionante, com direito a duas canções ensaiadas especialmente para esta apresentação no Brasil (sem spoliers!), pode-se imaginar como será o show deste sábado, que contará ainda com as participações especiais de Sylvia Machete e Marya Bravo.

Durante toda a entrevista Mitchell se mostrou muito atencioso e preocupado com elenco, que deixava o teatro ao final do ensaio, principalmente com Felipe Carvalhido, que está com a perna machucada. Quem tiver a oportunidade não deve deixar de ir no show e ter a chance de conhecer ao vivo este artista tão simpático e carismático.

Veja o video Seraph da banda Sigur Rós, dirigido por John Cameron Mitchell:

A festa Mattachine acontecerá no mesmo espaço logo após o show. John Cameron Mitchel, PJ DeBoy e Paul Dawson prometem tocar músicas das décadas de 70 e 80, com foco em rock e funk, com diversas surpresas no setlist. Programa imperdível deste fim de semana!

Além do show e da festa no sábado, a peça Hedwig e o Centímetro Enfurecido, com Pierre Baitelli eFelipe Carvalhido, estará em cartaz nesta sexta (23) às 21:30h e no domingo às 19h no Galpão Gamboa com ingressos a R$ 20,00.

 Entrevista e tradução: Baby Bloom. Com colaboração e fotos de Sir Erik.
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