Critica Almanaque Virtual – Mario Abbade – 06/11-2010

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Adaptar um musical famoso não é uma tarefa simples. A empreitada requer recriar a combinação harmônica de musica e historia de forma que o seu conteúdo não se transforme em pastiche pasteurizado. Principalmente se o material original é uma opera rock contando a historia de um travesti que sofreu uma cirurgia de mudança de sexo com um resultado inesperado. Hedwig e o Centímetro Enfurecido, que está em cartaz no Rio, é um claro exemplo de como é importante ter um verdadeiro roqueiro comandando o projeto: Evandro Mesquita, líder da banda de rock nacional Blitz.

O espetáculo é baseado no musical off-Broadway “Hedwig and the angry inch” escrito por John Cameron Mitchell inspirado na época em que morou em uma base americana, comandada por seu pai na Alemanha Oriental. Já nos EUA, ele conheceu uma alemã divorciada de um oficial americano que trabalhou de babá em sua casa e que a noite ganhava dinheiro como prostituta em seu trailer. As canções do musical foram compostas por Stephen Trask e virou filme que foi exibido no Brasil em 2001. A versão brasileira do espetáculo é dirigida e adaptada por Evandro Mesquita com tradução de Jonas Calmon Klabin.

A trama é contada por Hedwig diretamente para o público através de um monólogo. A peça recria de forma conceitual uma apresentação ao vivo de Hedwig com sua banda o Centímetro Enfurecido. Entre as canções, ele descreve sua vida desde quando era criança na Alemanha Oriental, seu casamento com um soldado americano, o resultado catastrófico de sua cirurgia de mudança de sexo, a formação de sua banda de rock nos EUA e o romance com Tommy Speck, um adolescente católico, que se transforma na estrela de rock Tommy Gnosis. Ao mesmo tempo em que Hedwig está fazendo seu show em um boteco, Gnosis está a alguns metros em um teatro se apresentando para milhares de fãs.

Na adaptação de Evandro Mesquita, Hedwig é interpretado por dois atores, que contracenam ao mesmo tempo. Essa escolha reforça os dilemas do personagem criando novas camadas de reflexão sobre o tema da trama: a origem do amor, que é alicerçado no discurso de Aristófanes em “O banquete” de Platão sobre o sentimento de incompletude e a busca pela alma gêmea. Aliado a essa questão, outros subtemas como a sexualidade, o relacionamento familiar, a religião e a postura dos astros de rock.

As mudanças que abrasileiram a narrativa e os diálogos encaixam com perfeição no texto de Mitchell, enriquecendo ainda mais o material original. Todo o discurso é dito /cantado com muita credibilidade porPaulo VilhenaPierre Baitelli, que “dividem” o personagem Hedwig. Cada um colabora com um estilo próprio, mas de maneira uniforme que mantém o personagem unificado em todas as cenas em um ritmo impressionante. Eline Porto completa o elenco no papel de Yitzhak, equilibrando a balança entre Vilhena e Baitelli. Vale ressaltar também a banda que acompanha toda a trama com muito rock roll: Alexandre Griva (bateria), Fabrizio Iorio (teclado), Patrick Laplan (baixo) e Pedro Nogueira (guitarra).

Destaque também para os belos figurinos de Marta Reis e a luz hipnotizante de Luiz Paulo Nenen e a cenografia de Suzane Queiroz que contrabalança com brilho as emoções proporcionadas pela dupla protagonista.

Musicalmente Hedwig e o Centímetro Enfurecido é uma opera rock que remete ao andrógino glam rock dos anos 70 da era de David Bowie e aos vovôs do punk Lou Reed e Iggy Pop. Em termos de transgressão cultural, retrato gay e simbolismo para os grupos GLS, pode ser comparado ao espetáculo “The Rocky Horror Picture Show”, que também virou filme em 1974.

A opera rock é um dos desdobramentos do rock, em que conta uma historia coerente em que muitas vezes são utilizados personagens. É uma espécie de mistura de teatro com musica. Às vezes esse estilo é confundido com os álbuns conceptuais que estabelecem uma atmosfera ou mantém um tema até o fim. Para se entender a diferença entre os dois modelos, basta comparar dois discos da banda de rock progressivo Pink Floyd: “The dark side of the moon” (conceptual) e “The wall” (opera rock). Uma opera rock é um disco conceptual, mas nem todo álbum conceptual é uma opera rock.

A primeira banda a fazer uma opera rock foi o Pretty Things com o disco “S.F. Sorrow”, em 1968. Apesar de que em 1966, a canção de 9 minutos “A quick one while hes away”, do álbum “A quick one” do The Who, é considerado o embrião do gênero. “Tommy”, outra criação do The Who, é o disco que popularizou a opera rock em 1969 que depois virou filme e espetáculo na Broadway. A opera rock mais popular é “Bat out of hell” do grupo Meat Loaf. Outros espetáculos do estilo que merecem ser citados são os do guitarrista Frank Zappa (“200 motels” e “Joes garage”), da banda Styx (“Kilroy was here”), do guitarrista Neil Young (“Greendale”), da banda punk Green Day (“American idiot”, que está na Broadway), do cantor Tobias Sammet da banda de metal melódico Edguy (“Avantasia, the metal opera”) e da banda de power metal Blind Guardian, baseado no livro “O Silmarillion de J.R.R Tolkien (“Nightfall in middle earth”).

Depois de ter se tornado cult no circuito Off-Broadway e no cinema, Hedwig e o Centímetro Enfurecido deve estrear na Broadway com John Cameron Mitchell reprisando seu papel e com o adendo de novas canções compostas por Stephen Trask.

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2 Responses to Critica Almanaque Virtual – Mario Abbade – 06/11-2010

  1. Patricia Matos says:

    Mega saudades da Hedwig!!!

  2. Lia says:

    Duas!!! Morrendo de saudade… Quero muito ouvir:

    “Hello, São Paulo. Vocês sabem quem eu sou?”

    Na expectativa!

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