Casos e Criticas – 17/10/2010

“Hedwig e o Centímetro Enfurecido”: Minhas impressões

Olá, amados leitores e críticos!!

Desde que o jornal O Globo divulgou que Pierre Baitelli faria uma versão de “Hedwig and The Angry Inch” sob a direção de Evandro Mesquita, o “Casos e Críticas” vem publicando posts manifestando suas impressões, expectativas e preocupações sobre esta montagem.

Após discussões, críticas e feedback dos nossos queridos leitores, finalmente consegui assistir à peça nesta quinta-feira, dia 14/10/2010, no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea. E é por isso que faço este post, para registrar minhas impressões e discutir – racionalmente – sobre esta produção.
Mas já lhes adianto: salvo algumas ressalvas, gostei bastante!

Antes que venham me acusar de alguma coisa, repito: eu sou virginiano. Desde que descobri a astrologia eu a uso como suporte moral para meu TOC e perfeccionismo. Dificilmente gosto incontestavelmente de algo, sempre há uma crítica a se fazer, sempre é possível melhorar alguma coisa.

Aos meus amigos que gostam do meu estilo de crítica, que é mais pesada e um tanto mal-humorada, preciso concordar que ando mais benevolente. Creio que a paternidade me trouxe mais positividade na vida. Muito embora Gypsy Rose Lee seja uma linda poodle de 2 meses, ainda assim ela é uma bênção dos céus. Entretanto, não chamo de benevolência esta crítica positiva em específico, mas a atribuo ao talento dos profissionais envolvidos na produção de “Hedwig e o Centímetro Enfurecido”.

Escrevo esta crítica ouvindo à trilha sonora original do filme “Hedwig and The Angry Inch”, com a voz do seu criador e intérprete, John Cameron Mitchell.

Bem, a história já é uma velha conhecida deste blog, mas não me canso de contá-la. Hansel é um menino alemão afeminado, abusado e abandonado pelo pai na infância e criado pela mãe comunista radical. Durante o início de sua adolescência é erigido no meio de Berlim o vergonhoso muro que dividiu a Alemanha em dois pólos ideológicos opostos, obrigando Hansel, amante da cultura ocidental, a viver no lado Oriental de Deutschland.

Sempre sonhando com o dia em que poderia desfrutar das “maravilhas” do capitalismo, Hansel conhece Luther, militar estadunidense e bem mais velho que o rapaz, por quem se apaixona. Acreditando na conversa mole do tio, o inocente Hansel crê que esta é a única forma de se livrar da Alemanha Oriental e encontrar a “salvação”.

Entretanto, para que pudesse ir para os EEUU, Hansel deveria se casar com Luther na Alemanha Oriental. Só que o casamento deveria ser entre um homem e uma mulher. Então a mãe de Hansel, Hedwig, lhe dá sua identidade e passaporte e descobre um médico que faça uma cirurgia de troca de sexo. Só que a operação dá errado. E, ao invés de uma vagina, Hansel, agora Hedwig, fica com uma enorme cicatriz ensanguentada que se fecha e revela 1 centímetro de um pênis não funcional.

Devidamente casada e agora cidadã estadunidense, Hedwig não leva a vida de luxo e glamour que lhe fora prometida: mora num estacionamento de trailers em Junction City, Texas, com uma peruca horrível parecida com palha e fazendo bicos. E, no seu 1º aniversário de casamento, é abandonada pelo marido e, no mesmo, dia,  o Muro de Berlim cai.

E, no meio do nada, pobre e ferrada, não se sente alemã, soviética ou estadunidense, não é homem nem mulher, vê seus sonhos desmoronando juntos com o Muro. Fugiu da Alemanha Comunista para conhecer luxo e riqueza nos EEUU, mas se vê mais miserável e infeliz do que em sua terra natal, agora capitalista de novo. Para sobreviver trabalha de babá, se prostitui e se apresenta com sua banda “O Centímetro Enfurecido”, formada por esposas de militares coreanos.

Um dia conhece Tommy Speck, um rapaz filho de militar, profundamente católico, reprimido e fascinado por rock e mitologia. Com ele desenvolve parceria artística e um romance. Escrevem juntos músicas e Hedwig lhe dá seu nome artístico, Tommy Gnosis, substituindo os integrantes de “O Centímetro Enfurecido” por foragidos da URSS.

Tommy rouba as letras e se torna o internacionalmente famoso Tommy Speck, usurpando a fama e o sucesso que deveriam ser de Hedwig, que o persegue em todas as suas apresentações, tocando com “O Centímetro Enfurecido” nos bares e restaurantes de beira de estrada ao lados dos grandes estádios onde Gnosis se apresenta.

E a peça é justamente um desses shows em sua “turnê mundial” que Hedwig se apresenta num pequeno teatro, enquanto Tommy canta as músicas roubadas. Entre uma música e outra somos alvejados por sua história emocionante e sofrida e somos testemunhas da injustiça e das dificuldades que ela vem passando desde sempre, tudo isso contado através de sarcasmo e muito rock. E, para nosso privilégio, a cidade escolhida para dar início à sua turnê mundial é o Rio de Janeiro.

“Hedwig and The Angry Inch” é um dos meus musicais favoritos: é emocionate, pesado, ultrajante, cativante, executado através do rock, permeado de momentos cômicos que se harmonizam com a tragédia, e eu adoro cada minuto.

Quando foi noticiada a versão, fiquei preocupado por Evandro Mesquita não ser diretor de teatro musical e pelo fato de Paulo Vilhena estar no elenco. Sim, meus amigos, queimei a língua (Graças a Deus), fui tomado pelo preconceito, mas as circunstâncias demonstraram que estava, em certa medida, errado.

Vou confessar que não gosto do trabalho de Vilhena na TV. Não sei o que acontece, mas sempre acho sua atuação artificial. Mas vê-lo no teatro me fez abrir os olhos, e creio que essa é a estética que ele deveria adotar. Sua Hedwig cumpre bem seu papel.

Não supera, contudo, a Hedwig de Pierre Baitelli. Além de sua caracterização ser muito melhor que a original, Pierre tem uma atuação hipnótica no palco. Não conseguia desviar meu olhar um minuto sequer daquela Hewig ultrajante e cativante que ele ali desenvolvia.

Eline Porto transpira talento dando vida à Yitzahk, que é importante personagem que auxilia Hedwig a contar sua história. Além de talento cênico incontestável, Eline tem uma voz lindíssima!! Definitivamente, ela precisa ser mais valorizada nas produções teatrais.

Musicalmente, a banda é incrível!!! “Hedwig” é o tipo de peça que você não pode – e não quer – assistir sentado. Queria estar em pé pulando e curtindo o show de Hedwig e o Centímetro Enfurecido. Eline Porto é uma jóia rara. Pierre Baitelli atingiu um ponto muito legal, pois conseguiu encontrar a atitude punk-rock que a personagem demanda. Segurar aquele tom altíssimo não é para qualquer um. Quanto ao Paulo Vilhena, não fez feio, mas foi ofuscado pela banda e pelos dois colegas de palco. Minha única reclamação são os micrfoones. Os textos falados fora do microfone estavam ótimos, mas o sistema de som meio que tornou algumas palavras inaudíveis.

As versões são de um Português aprimorado, tão aprimorado que eu acho que, em certa medida, tiraram um pouco da espontaneidade e do certo desleixo que são características mais próximas do glam-rock. Por exemplo “Angry Inch” virar “Centímetro Enfurecido”, ou a música “Wig In the Box” ter se tornado “Peruca Encaixotada” não são, certamente, nomes que roqueiros dariam. Ainda assim são detalhes que, apesar de soarem meio ruidosos, não são capazes de destruir a peça.

De um modo geral, achei “Hedwig e o Centímetro Enfurecido” uma boa versão. Animada, bem cantada e bem atuada. A única coisa que realmente me preocupou foi a coexistência de duas Hedwigs no palco. O fato de uma começar o texto e a outra terminá-lo e expressarem idéias complementares me deixou um tanto confuso. Mas acho que entendi o porquê.

O discurso de Aristófanes no livro “O Banquete” de Platão, que deu base à música “A Origem do Amor” e que é o mote da peça meio que explica isso. Em linhas gerais, os humanos eram, no início dos tempos, um só corpo, como duas pessoas grudadas pelas costas. Os deuses resolveram separar-nos na forma que somos hoje e nos espalhou pelo mundo, para que encontrássemos nossa metade. E essa busca é o amor. E é essa busca é justamente que Hedwig faz a Tommy quando o persegue nos grandes estádios.

Todos somos parte de alguém. E isso fica muito claro no diálogo entre Tommy e Hedwig em que o rapaz acha fascinante Deus ter criado o homem e ter arrancado de seu interior a mulher. Isso aconteceu com Hedwig, ela foi retirada de dentro de Hansel. Hedwig é sua própria metade, é sua própria mulher. Logo, duas Hedwigs no palco é um pouco confuso, porque ela não precisa de ninguém para se manifestar. Ela tem luz própria. Se ainda um ator fosse Hansel e outro a Hedwig, tipo ego e alter-ego brigando, tudo bem, apesar de que essa dicotomia homem-mulher já se perfaz com Hedwig (interpretada por um homem) e Yitzahk (interpretado por uma mulher).

Por outro lado, duas Hedwigs deu uma dinâmica diferente à peça, porque enquanto uma conta a história, a outra poderia interpretá-la ou mesmo fazer os jogos de cena que ilustram aquele episódio, tirando um pouco o foco do monólogo. E isso, com certeza, movimentou bem as cenas, apesar de preferir a estética original.

Como vêem, minhas ressalvas são minúsculas perto da grandiosidade que é esta versão. “Hedwig e o Centímetro Enfurecido” é uma peça para rir e chorar, ofender e ser ofendido, sentir-se revoltado e ultrajado com Hedwig e sua inusitada – e sofrida – história. Recomendo a todos, usem sem moderação.  No teatro das Artes, no Shopping da Gávea.

http://casosecriticas.wordpress.com/2010/10/17/%E2%80%9Chedwig-e-o-centimetro-enfurecido%E2%80%9D-minhas-impressoes/#more-502

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4 Responses to Casos e Criticas – 17/10/2010

  1. Obrigado pela referência!!

  2. Lia Beraldo says:

    Fui assitir a peça e amei…
    Tudo exato… impecável… Meus sinceros parabéns a todo elenco, direção, preparadores de atores, maquiadores, figurinistas, enfim… TODA A EQUIPE DE HEDWIG!

    Escrevi um texto sobre o que pude ver no palco:
    http://poesiaeartemeubem-te-vi.blogspot.com/2010/10/hedwig-e-o-centimetro-enfurecido.html

    Espero que gostem!

    Lia

  3. Mara says:

    Merece cd! Quando vão gravar ?rs…

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