Blog Poesia e arte

http://poesiaeartemeubem-te-vi.blogspot.com/2010/10/hedwig-e-o-centimetro-enfurecido.html

“Boa noite, Rio de Janeiro. Você sabe quem eu sou?”
Lia Beraldo (bem-te-voa)

Sentada na primeira fila, olhava atentamente a queda do socialismo, através do fim de um muro…
Mas o muro que falo não é aquele de concreto que foi causa da morte de tantas pessoas que queriam passar da Alemanha Oriental para a Ocidental. Estou falando do muro que separa um homem de uma mulher, e uma mulher de um homem.
Na peça, três atores… A mulher (Eline Porto) com figurino masculino. Os homens (Paulo Vilhena e Pierre Baitelli) com figurino feminino e inclusive em um salto 15.
Para compor um verdadeiro show de rock and roll em pleno teatro, muita gente boa trabalhou para isso.
O figurino dos atores foi impecável… Paulo e Pierre dominavam o palco com suas calças coladas, salto alto e leveza. Os dois atores trocam de roupa durante o espetáculo, para Paulo, isso é mais freqüente, mas a agilidade e a forma com que a troca foi incluída ao texto torna tudo natural. Já Pierre sofre uma transformação total, de Hedwig loira torna-se Tommy Gnosis, a princípio repleto de espinhas, que o figurino é capaz de transparecer essa idéia. E depois um astro do rock, que em seus trajes demonstra toda sua arrogância. Eline, por sua vez, consegue com seu figurino o ar masculino. Mas ao fim, ela se revela uma mulher linda, que se escondia nas roupas de Yitzhak.
A maquiagem é linda. Os dois atores conseguem, por meio dela, uma figura doce e suave, que revela o ar feminino da personagem.
O resultado final para as duas Hedwig’s é uma imagem de duas transsexuais/ drag queen/ travesti ou, como Paulo descreveu em um recente chat oferecido pela UOL, uma metamorfose ambulante (como diria Raul Seixas), que até Fernando Torquatto teria inveja do resultado final.
A direção da peça, feita pelo talentoso Evandro Mesquita, foi maravilhosa. Ele teve a sensibilidade e a audácia de dividir a personagem Hedwig em duas, a fim de aprimorar o jogo cênico e permitir o que o autor propunha com o texto, o encontro do Ying com Yang, da cara com a metade e do amor com o amor.
Falando em texto, a adaptação foi maravilhosa, tanto o texto, levado um pouco pra realidade carioca, ficou leve e engraçado, com suas doses de emoção, incluindo até um toque de Camões, que me levou muitas vezes às lagrimas.
Já as músicas, gostosas de cantar e com uma tradução animada e de puro rock. A sacada da tradução de inch para enche, ao meu ver foi categórica. Um jogo de palavra para talvez João Guimarães Rosa ficar com ciúmes.
O cenário compõem junto com o texto, a dramaticidade do espetáculo. Hedwig, sem fama e sucesso é restrita a cantar em um cenário simplório, que dão mais dor a sina de Hedwig, mas quando Tommy aparece em seu show, o glamour e o luxo consegue compor o cenário, por meio de jogo de luzes e fumaças.
Falando agora dos atores: começando pela Eline Porto, que voz essa menina tem, impressionei-me enormemente com a sua afinação. Ela, que disse que o rock só entrara em sua vida com Hedwig consegue transmitir a todos uma imagem de roqueira. Nos momentos que ela faz a cara de paisagem da mãe de Hedwig ou qualquer outro personagem que ficasse com a face imóvel é totalmente impressionante, chega a arrepiar. Enfim, uma ótima atriz e cantora, que me emocionou e muito na platéia.
Já Pierre Baitelli é simplesmente emocionante. Um ator super elogiado nos palcos e, de mim, vendo-o como Hedwig, só posso fazer elogios. Canta maravilhosamente bem, jogou-se completamente no personagem, dançando e rebolando em suas performaces. Pierre, apesar de todo esforço físico, consegue manter o tom de voz, sem rouquidão alguma e uma afinação perfeita.
Enfim, Paulo Vilhena! Essa não foi a primeira (e com certeza não será a última) peça que assito do xará de Autran. Já pude conferir seu trabalho em “Essa Nossa Juventude”, de direção de Laís Bodanzki, em que Paulo vive Warren, um personagem totalmente introspectivo que rendeu muitos elogios ao ator. Também tive a incrível oportunidade de assistir “O Arquiteto e o Imperador da Assíria”. Nessa viagem à Assíria, encontrei um Paulo mais maduro e que dava todo o tempo a cada palavra, tal qual a poesia sublime do texto de Arrabal pede. Consegue, com a poesia e a inocência, dar vida ao arquiteto. Para ele a felicidade era estar do lado de alguém que tem a pele bem fina e depois, beijando a pessoa nos lábios, tudo se encobriria de uma névoa rósea. E a névoa rósea encobriu a atuação de Paulo como Hedwig. Em seus 13 anos de carreira, em que sempre buscou trabalhos diferentes, Hedwig com certeza será outro muro de Berlim em sua carreira. Aqueles que ainda desconfiam de seu talento, imaginando-o como um pseudo-ator capaz de interpretar apenas um surfista, certamente “rodou” (como diria Paulo, apresentando Jogo Duro). Paulo, em sua carreira como ator, só havia cantado algumas vezes, em um capítulo ou outro das novelas que participou, em um trecho da dublagem que fez para o filme “O espanta tubarões”, um filme da Dream Works, no personagem título do filme “O magnata” e no personagem professor Marcelo, do filme “As Melhores Coisas do Mundo”, em que vivia o professor de violão de Mano, transparecendo toda a verdade de um talentoso músico. Todavia, no filme, Paulo cantou apenas uma música (Something-The Beatles), isso já serviu para mostrar que ele não está de brincadeira. Em Hedwig, a música e o cantar é a alma do espetáculo, e Paulo consegue afinadamente emocionar o público com sua maneira de cantar. Na musica Little Wicked Town, que ele canta sem a parceria de Pierre, Paulo mostra todo seu talento musical, talvez de origem familiar, já que seus pais cantam encantadoramente bem. No palco, Paulo dança entregue a Hedwig, sem pudor e preconceito algum, doa-se a ela e rebola até o chão. Com o microfone em punhos, Paulo mostra aos desconfiados que ele é um ator completo. E no palco, consegue arrancar várias risadas do público e lágrimas, quando a emoção toma conta da história. Paulo vive maravilhosamente o lado feminino da personagem, que sofre pelos desfortúnios da sua vida. As palavras, sempre exatas, eram ditas docemente e cada uma ao seu tempo, sem que a voz se prejudicasse ao longo do espetáculo pela demanda das cordas vocais. A entrega é total, ao passo que ao final, Paulo salta de uma caixa, como qualquer roqueiro que se preze, mas o detalhe é o salto 15, que calça os pés do autor. Com certeza, ao fim do espetáculo, existem palmas de Paulo Autran (em memória) para Paulo Vilhena pela impecável atuação.
Os pontos negativos? Todos pequenos frente à grandiosidade da peça. Algumas vezes os contra-regras tem que entrar em cena para trocar algum elemento cênico, mas a atenção de quem assiste está em outro ponto do palco, sendo praticamente imperceptível.
Na peça de hoje (09/10/2010), Pierre trocou algumas palavras da canção Peruca Encaixotada, que só foi descoberta por mim depois que os atores me contaram. Não pude perceber já que todos os atores tem irreverência e um grande talento para improviso, que não deixou que ninguém do público percebesse.
Paulo, acidentalmente, ia deixar o suporte de microfone cair desastrosamente em Eline. Ela, apesar do perigo, manteve-se imóvel, compenetrada na cena em que chorava. Paulo agilmente pegou o suporte antes que ele atingisse a amiga de cena e arrancou boas risadas do público.
Enfim, a peça é maravilhosa, os atores conseguem se integrar com o público, tanto nas musicas quanto da dramatização cênica, transmitindo a energia do rock and roll.
Os meus parabéns a todos que contribuíram. A peça é maravilhosa e quem puder ir, vá, com certeza será a queda de um Muro de Berlim em sua vida.
Vida longa a Hedwig!

Be Sociable, Share!
This entry was posted in Críticas, Matérias, Notícias, Temporada carioca. Bookmark the permalink.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

*

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>